sexta-feira, 14 de novembro de 2008

ANIVERSÁRIO - Fernando Pessoa

















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Ah, que pena! Um casarão assim tão bonito, e parece abandonado, a grade toda enferrujada. E assim na beira do mar, uma linda paisagem. E ele deve ter tantas histórias para contar.
Vou aproveitar a beleza do lugar e postar um lindo texto do Fernando Pessoa, de 1929, que fala desse longo caminhar, dos anos e aniversários que vão passando, e esse poema foi até citado na postagem anterior.

Aniversário
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto.Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos. E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos, eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma. De ser inteligente para entre a família, e de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, o que fui de coração e parentesco. O que fui de serões de meia-província, o que fui de amarem-me e eu ser menino. O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...(Nem o acho...) o tempo em que festejavam o dia dos meus anos! O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa, pondo grelado nas paredes...O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), o que eu sou hoje é terem vendido a casa, é terem morrido todos. É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio... No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, por uma viagem metafísica e carnal, com uma dualidade de eu para mim...Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes! Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos, o aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —, as tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, no tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça! Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for.Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
15/10/1929

3 comentários:

heli disse...

"A celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe.Fósforo que foi riscado.Nunca mais acenderá.Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festa de aniversário.Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte".
Rubem Alves

ney disse...

É, Heli, então o jeito é tentar fazer dos anos que nos restam os melhores de nossas vidas.
Diz Drummond:
“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional. Carlos Drummond de Andrade.

heli disse...

Com certeza Ney, devemos fazer dos anos que nos restam os melhores de nossas vidas e amar sempre e muito, usar toda nossa força e sermos um pouco imprudentes.
Pois é, importante é viver cada dia como se fosse o último porque um dia desses vai ser mesmo...