segunda-feira, 20 de outubro de 2008

POR ONDE ANDOU CRESCENDO AQUELA DANADINHA...

POR ONDE ANDOU CRESCENDO AQUELA DANADINHA . . .

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós, como pássaros tagarelas em árvores estagnadas.
Crescem sem pedir à vida. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias e de igual maneira. Crescem de repente!
Um dia, sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade, que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Que é que acontece à pázinha de brincar na areia, às festinhas de aniversário com palhaços e ao primeiro uniforme do colégio.
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil . . . E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça!
Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes sobre patins e cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com o uniforme da sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros.
Ali estamos nós, com os cabelos esbranquiçados. Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros. Principalmente, com os erros que esperamos que não repitam.
Sim . . . há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô.
Saíram do banco de trás do carro e passaram para o volante de suas próprias vidas!
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, pôsteres, agendas coloridas e discos ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping; não lhes demos suficientes hambúrgueres e Coca-Colas; não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio, subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscina e amiguinhos. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chiclete e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas “pestes”.
Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito. Nessa hora, se a gente tinha desaprendido, reaprende a rezar para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade. E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: a qualquer momento podem dar-nos netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estafado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso os avós são tão descomedidos a distribuírem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto!
Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais antes que eles cresçam.
Aprendemos a ser filhos depois que fomos pais . . .
Só aprendemos a ser pais depois que somos avós . . .

Affonso Romano de Sant’Anna

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